A trajetória da China rumo à liderança no mercado global de baterias para veículos elétricos (VEs) começou nos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008. Na ocasião, uma frota de ônibus elétricos transportou atletas, autoridades e jornalistas, demonstrando o compromisso da China com uma Olimpíada “verde e de alta tecnologia”. Esse evento marcou o ponto de partida para a construção de uma indústria nacional de baterias de íons de lítio, que se tornaria líder mundial em duas décadas.
Em 2003, o Centro de Desenvolvimento de Novos Materiais de Pequim iniciou um estudo da indústria chinesa de baterias de lítio. A análise revelou que o setor era incipiente, com apenas dois produtores de baterias para VEs. Em 2005, a primeira conferência da indústria reuniu cerca de 200 participantes, demonstrando o tamanho ainda modesto do mercado.
Atualmente, a China domina o setor, respondendo por mais de 75% da produção mundial de baterias de íons de lítio e abrigando seis dos dez maiores fabricantes globais. A ascensão foi impulsionada por um mercado interno vasto e protegido, apoio governamental coordenado à cadeia de fornecimento, subsídios a consumidores, redes de carregamento financiadas pelo Estado e políticas que incentivam a produção de VEs.
Empresas chinesas também se destacaram na produção em larga escala e no controle de custos, fatores cruciais para a fabricação de baterias para VEs. O forte “instinto de sobrevivência” e a busca por novas ideias para manter a competitividade são apontados como a base do crescimento contínuo do setor.
A história das baterias de lítio, no entanto, começou fora da China. As pesquisas de Stanley Whittingham, John Goodenough e Akira Yoshino, laureados com o Prêmio Nobel de Química em 2019, levaram à criação da primeira bateria de íons de lítio comercialmente viável em 1985, pela empresa japonesa Asahi Kasei. Em 1991, a Sony, também do Japão, lançou as primeiras baterias de íons de lítio no mercado. Na década seguinte, o Japão liderou a produção mundial, seguido pela Coreia do Sul.
Em 2006, a China lançou um programa de ciência e tecnologia para os 15 anos seguintes, priorizando “veículos movidos a energias novas e de baixa emissão” (NEVs) e “baterias recarregáveis”. O objetivo era modernizar a indústria e reduzir a dependência de mão de obra barata, focando em avanços tecnológicos.
Em 2009, após o sucesso dos ônibus olímpicos elétricos, o país adotou medidas para “ajustar e revitalizar” sua indústria automotiva, com o entendimento de que os VEs representavam uma oportunidade para superar o Ocidente. Um planejamento nacional orientou os governos regionais a estabelecer cadeias de fornecimento e redes de carregamento para NEVs, apoiando empresas domésticas na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias relacionadas.
Os Estados Unidos também demonstraram interesse no desenvolvimento de VEs, especialmente nos anos 1970 e 1990. Na Califórnia, o programa de veículos com emissão zero (ZEV) impulsionou investimentos em VEs. No entanto, o lobby de empresas automobilísticas e de petróleo resultou na diluição da lei ZEV, favorecendo outras tecnologias.
Nos anos 2000, o governo americano financiou a pesquisa e desenvolvimento de VEs, mas a crise financeira de 2008 causou dificuldades para startups, muitas das quais foram adquiridas por empresas chinesas, incluindo a A123, especializada em baterias de íons de lítio.
Entre 2012 e 2020, o governo chinês intensificou os esforços para promover os VEs, estabelecendo metas de produção e requisitos técnicos para fabricantes de baterias e VEs que desejavam receber apoio estatal. Em 2013, foram oferecidos subsídios para a compra de VEs por consumidores individuais, expandindo o mercado.
Em 2015, uma regra fundamental “isolou” o mercado doméstico para os fabricantes chineses de baterias, exigindo que os fabricantes de VEs utilizassem baterias produzidas por fornecedores selecionados para terem direito aos subsídios. A medida impulsionou o crescimento de empresas como a CATL, que se tornou o maior produtor mundial de baterias para VEs em 2017.
A estratégia “Made in China 2025” e um sistema de “duplo crédito” para fabricantes de automóveis reforçaram o incentivo à produção de VEs e ao uso de baterias chinesas. A CATL, em particular, se beneficiou da parceria com fabricantes ocidentais para inovação conjunta.
A forte parceria entre governo e indústria e a intensa competição no setor foram fundamentais para o sucesso da indústria chinesa de baterias. O investimento governamental e o rápido desenvolvimento de tecnologias permitiram que a China alcançasse a liderança global.
A “integração vertical” dos principais fabricantes, como CATL e BYD, que controlam seus fornecedores, e a capacidade de gerenciar a fabricação em larga escala também são fatores importantes. Além disso, a inovação constante e a formação de um grande número de engenheiros especializados contribuem para a liderança chinesa.
A China domina a produção em cada etapa da cadeia de fornecimento de baterias e detém a maior parte da capacidade global de produção. Especialistas consideram difícil para outros países desafiar a supremacia chinesa na tecnologia de baterias, mas o desenvolvimento de tecnologias de última geração, como baterias de estado sólido, pode abrir espaço para novos concorrentes.